segunda-feira, 6 de maio de 2024

Queriam que redes fossem atóxicas?


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/sidechat

Nova crônica de Ronaldo Lemos publicada na Folha de S. Paulo do último domingo, 5 de maio, e cujo conteúdo fiz questão de piratear, se chama “O aplicativo que incendiou as universidades nos EUA”. Ele afirma que o utilitário SideChat, uma espécie de Équis disponível apenas pra quem tem um endereço de e-mail universitário e cujos usuários permanecem anônimos, tem sido um espaço de crescente cultivo dos ódios e preconceitos que levaram à radicalização da Revolução da Melancia dos protestos pró-Palestina nas universidades americanas, especialmente a de Columbia. Lemos não esclarece se o app, lançado em fevereiro de 2022, também está disponível fora dos EUA, e eu acrescento que ele é a continuação de um certo Yik Yak (o nome soa familiar...), lançado ainda em 2013 e que faliu justamente por acusações de não prevenir discursos de ódio.

Felizmente, os brasileiros não tiveram tempo de engolir essa modinha, e realmente quase ninguém aqui (inclusive eu) os conhecia; e espero que ninguém resolva fazer a experiência! Deixo que você leia o resto no texto, mas já me pergunto: como os inventores do aplicativo não se deram conta de que um recurso com anonimato garantido ia se transformar de um espaço de desabafo numa rinha de galo? Não atinaram a que na mão de maluco, toda invenção prática pode virar arma? Ou Santos Dumont criou o 14-bis pra ficar se atirando em arranha-céus? Mas trágico é ver como a geração do finzinho dos 90, começo dos 2000, cresceu achando que no Google Store sempre ia ter um app disponível pra resolver qualquer problema da vida, fosse prático ou humano. Queriam curar a solidão e o deslocamento sem bater de frente com a sociedade e repensar seu próprio jeito de agir!

Pra além da falsa inocência, cabe notar que você precisa ter um correio institucional, ou seja, fornecido a estudantes, professores e funcionários por uma universidade, espaço que o próprio Trump detratou como “a nata da nata” da sociedade ianque. E se “a nata da nata” da sociedade se comporta do jeito como vimos na TV e tem difundido ideias como as que já se espalham pela Banânia há uns anos: 1) o que será então do resto da sociedade, que ainda pensa que na USP os alunos andam pelados e participam drogados de orgias? 2) como essas elites podem servir de modelo pra sociedade ao se portarem assim? É pra fazer Vilfredo Pareto se revirar na tumba!



O Yik Yak era coisa de corno, e o SideChat... é de chorar mesmo!


A culpa dos protestos que estão ocorrendo nas universidades dos EUA obviamente não é do aplicativo SideChat. No entanto, ele tem tido um papel na radicalização dos embates. Para quem nunca ouviu falar, o SideChat é um aplicativo para postagens anônimas. Uma espécie de Twitter, que fala de acontecimentos em tempo real por meio de mensagens curtas, vídeos e fotos.

Só que tudo é anônimo. A única informação é a universidade onde o conteúdo foi postado, mas não quem postou. Para se inscrever no SideChat é preciso ter uma conta de e-mail de uma universidade. Com isso o app esperava assegurar que as conversas acontecessem só entre estudantes e, por isso, fossem cordiais.

Não foi o que aconteceu. Relatos em toda a parte mostram que o SideChat se tornou uma espécie de porta do inferno. Em depoimento para a revista Wired, um estudante chamou o aplicativo de “esgoto”. A razão é a quantidade de conteúdo problemático postado, incluindo ataques racistas, incitação à violência, e conteúdo degradante, direcionado a israelenses e palestinos.

O resultado é visível em praticamente todas as universidades dos EUA, da costa leste à costa oeste. Este colunista foi professor da universidade de Columbia, epicentro dos protestos e tem acompanhado com preocupação a situação. Várias universidades cogitaram bloquear o aplicativo. No entanto, a ideia teve pernas curtas. Tanto por conta das proteções constitucionais à liberdade de expressão nos EUA, quanto por causa da impossibilidade técnica do bloqueio.

A solução foi então convocar reuniões com os representantes da empresa. A demanda em comum é o aumento na moderação do conteúdo do aplicativo. Pelo menos para reduzir o conteúdo claramente ilegal (racismo, incitação à violência etc.). A empresa afirma já fazer isso, e alega ter um time de “30 funcionários”, além de usar ferramentas de inteligência artificial. No entanto, os relatos apontam para um ambiente que na prática se torna cada vez mais tóxico.

O SideChat pode ser visto como o símbolo mais recente da crise profunda que tomou conta das universidades dos EUA. Originalmente instituídas como um farol da liberdade acadêmica, nos últimos anos foram se tornando incapazes de lidar com temas controversos. Ao se tornarem território de “guerras culturais”, a universidade foi se transformando em um campo minado, onde vários temas foram sendo suprimidos.

O SideChat se aproveitou disso. Como não era mais possível falar em voz alta sobre vários temas difíceis, o aplicativo criou um espaço virtual onde tudo poderia ser dito. Capitalizou a frustração de quem se sentia silenciado. Só que apostou no anonimato, caminho fácil e perigoso, que destrói os laços comunitários em vez de reconstruí-los. Com isso, abdicou do esforço de reconstruir um espaço baseado no respeito mútuo, para se tornar parte do problema.

Dá para aprender muitas lições com esse caso. A primeira é que discursos que são suprimidos não desaparecem. Ao contrário, eles se radicalizam ainda mais e vão migrando para canais mais opacos. Seja o SideChat, o Discord, o WhatsApp, o Telegram e outros. A tarefa que temos como sociedade é reconstruir espaços para lidar com temas difíceis. E não suprimi-los, ou tocar fogo neles.



sábado, 4 de maio de 2024

Um é russo, o outro é russo estreito


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/russki


Quem acompanha o cotidiano e a cultura da Rússia, mesmo que não saiba o idioma, já deve ter se deparado com a canção Iá rússki (Eu sou russo), composta e gravada pelo cantor e músico russo Shaman, nome artístico usado desde 2020 por Iarosláv Iúrievich Drónov (n. 1991). Até 2022, ele não era muito conhecido pelo grande público, a não ser por duas participações em programas de talentos, em 2013 e 2014, que ele não conseguiu vencer. Um dia antes de se iniciar a invasão à Ucrânia, ele lançou Vstánem (Levantemo-nos), um single composto ainda em janeiro em homenagem aos combatentes da 2.ª Guerra Mundial. Essas foram suas duas canções de teor patriótico que o tornaram em 2023 o artista mais popular da Rússia, enquanto passou a se apresentar em shows oficiais da ditadura putinista, sendo considerado pela oposição, portanto, “a voz da guerra”, a qual Shaman/Dronov, por razões evidentes, jamais ousou criticar.

Com uma educação colegial e superior (além de um TCC, segundo alguns, com plágios da Wikipédia) voltada à música e ao canto, o que desde os tempos da URSS é muito comum entre os artistas que fazem sucesso nos palcos, Dronov se dedica à voz desde os quatro anos. No concurso em que participou em 2013, chegou a ser amplamente elogiado por Álla Pugachóva, a diva da canção russa desde a era soviética, e de 2014 a 2017 foi solista do grupo Chas Pik, até iniciar carreira solo. Desde então, além do pseudônimo “Shaman” (alvo de críticas dos puristas, por sempre aparecer em alfabeto latino, e não cirílico), adotou o conhecido visual com dreads e ganhou notoriedade nas redes sociais. Mesmo assim, passou relativamente despercebido até o lançamento de seus muitos singles e um único álbum a partir de 2022, geralmente associados à exaltação nacionalista russa e, indiretamente, à guerra contra Kyiv, o que o fez aparecer nos concertos promovidos pelo Kremlin, cantar nas regiões ucranianas ocupadas e apoiar Putin publicamente na reeleição armada em 2024.

De fato, as letras insossas e sem lirismo, a voz indistinguível e a interpretação berrada o fazem ser muito mais próximo de uma Simone Mendes, Maiara & Maraisa ou Naiara Azevedo da vida do que de qualquer outra coisa estudada. Na verdade, Shaman chegou a ser alvo de duras críticas (não da ditadura, claro) por algumas atuações suas se aproximarem da própria estética nazista. No clipe da canção My (Nós), lançada em 12 de abril de 2023, ele veste um sobretudo preto e uma braçadeira com a bandeira da Rússia, e a canção Moi boi (Meu combate), do 20 de julho seguinte, pode ser traduzida em alemão como Mein Kampf, livro em que Hitler expôs toda sua doutrina. De 2012 a 2016, Dronov foi casado com a professora de canto María Roschúpkina, com quem teve a filha Varvára em 2014, e em 2017 se casou com a gerente de marketing Ieléna Martýnova, 14 anos mais velha que ele e, segundo relatos, principal responsável por retrabalhar sua imagem visando ao sucesso nacional.

Em 30 de agosto de 2022, o ator, vlogueiro e humorista Aleksándr Vladímirovich Gudkóv (n. 1983), crítico da invasão à Ucrânia, lançou em seu canal no YouTube o clipe Iá úzki (Eu sou estreito), uma paródia da canção Iá rússki de Shaman (ele brinca com os sons reais das palavras pra além da ortografia: “rúski” e “úski”). A falta de nexo da letra e a animação cômica do vídeo me fazem lembrar mais do humor meio nonsense do Casseta & Planeta Urgente, que às vezes nem crítica queria fazer, mas apenas uma zoeira inocente. Eu também associo o “estreito” à estreiteza mental do patriotismo belicista, lembrando que rússki é especificamente o russo étnico (mesmo fora da Rússia), enquanto rossíiski é o nacional da Federação Russa (Rossíiskaia), mesmo sendo tártaro, checheno, inguche, tuvano etc. Buscando por memes, até achei um trocadilho do título Iá rússki com o gentílico iakútski, relativo à região da Iacútia.

Porém, analistas mais “profundos” chegaram a resgatar alusões aos significados positivo de “largo” e de “estreito” na literatura russa. Em todo caso, Gudkov foi atacado pelas putinetes mais alopradas e quase foi alvo de processo por “difamação”, embora não se referisse pessoalmente a Shaman (nem mesmo diretamente à própria canção), o qual, afinal, tratou o acontecido com indiferença. Aqui na página você pode ler os originais e as traduções das letras de Iá rússki e de Iá úzki, esta última também contando com um áudio separado, publicado pela Radio Svoboda. Fiz backups pra qualquer eventualidade, mas aí estão os vídeos em seus canais:


Я русский!

1. Я вдыхаю этот воздух,
Солнце в небе смотрит на меня.
Надо мной летает вольный ветер,
Он такой же, как и я.

И хочется просто любить и дышать,
И мне другого не нужно.
Такой, какой есть, и меня не сломать,
И всё, потому что

Припев:
Я русский,
Я иду до конца.
Я русский,
Моя кровь от Отца.

Я русский,
И мне повезло.
Я русский,
Всему миру назло.

Я русский!

2. В небо улетает эта песня,
И зовёт меня с собой.
А во мне пылает моё сердце,
Освещая путь домой.

Где хочется просто любить и дышать,
И мне другого не нужно.
Такой уж я есть, и меня не сломать,
И всё, потому что

(Припев)

Я русский!

(Припев)

Я русский!

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Eu sou russo!

1. Eu inspiro esse ar,
O Sol no céu olha pra mim.
Um vento livre voa sobre mim,
Ele é livre como eu.

Queria simplesmente amar e respirar,
E não preciso de outra coisa.
É assim que sou, não posso ser destruído,
E tudo porque

Refrão:
Eu sou russo,
Eu vou até o fim.
Eu sou russo,
Meu sangue vem do Pai.

Eu sou russo,
E eu tive sorte.
Eu sou russo,
A despeito do mundo todo.

Eu sou russo!

2. Essa canção sai voando pro céu,
Me chamando pra se juntar a ela.
E meu coração arde dentro de mim,
Iluminando o caminho pra casa.

Onde queria simplesmente amar e respirar,
E não preciso de outra coisa.
Pois sou assim e não posso ser destruído,
E tudo porque

(Refrão)

Eu sou russo!

(Refrão)

Eu sou russo!


Я вдыхаю этот воздух,
Солнце в небе смотрит на меня.
Надо мной картона лист летает –
Он такой же, как и я.

Со мною удобно на стуле сидеть,
Мне много пространства не нужно.
Такой, какой есть, и меня не задеть,
И всё, потому что

Я узкий,
Я не в форме яйца!
Я узкий,
Плечи уже лица.

Я узкий! (Он узкий.)
И мне повезло.
Я узкий (Он узкий),
Всем широким назло!

Узкая грудная клетка
И рука, как узкий ремешок.
И по жизни взгляды мои узкие,
Но и мне так хорошо.

Спасибо деду за узкий мой таз,
Мне большего таза не нужно.
Такой, какой есть,
Меня просто сломать,
И всё, потому что

Я узкий
Вместо нити зубной.
Я узкий,
В рот залезу я твой!
Я узкий!
И мне повезло.
Я узкий (Он узкий)
Всем широким назло…
Я узкий!
Я узкий!

Можем сейчас
Мы всех узких собрать
И спрятать
За кустик! (x5)

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Eu inspiro esse ar,
O Sol no céu olha pra mim.
Uma folha de papelão voa sobre mim:
Ela é estreita como eu.

É cômodo sentar comigo na cadeira,
Não preciso de muito espaço.
É assim que sou, não posso ser atingido,
E tudo porque

Eu sou estreito,
Não tenho forma de ovo!
Eu sou estreito,
Os ombros já são rostos.

Eu sou estreito! (Ele é estreito.)
E eu tive sorte.
Eu sou estreito (Ele é estreito),
A despeito de todos os largos!

Minha caixa torácica é estreita,
As mãos, como uma pulseira estreita.
E na vida meus olhares são estreitos,
Mas pra mim é tão bom.

Obrigado, vovô, por minha pélvis estreita,
Não preciso de uma pélvis grande.
É assim que sou,
Sou fácil de destruir,
E tudo porque

Eu sou estreito
No lugar de um fio dental.
Eu sou estreito,
Vou entrar por sua boca!
Eu sou estreito!
E eu tive sorte.
Eu sou estreito (Ele é estreito)
A despeito de todos os largos...
Eu sou estreito!
Eu sou estreito!

Agora nós podemos
Reunir todos os estreitos
E escondê-los
Atrás de um arbustinho! (x5)



“Não preciso de uma pélvis grande”, kkkkk!

quinta-feira, 2 de maio de 2024

Cleptofascismo, o regime de Putin?


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/cleptofascismo

Kirill Rogov, diretor do site Re: Russia, uma plataforma de oposição cujos textos podem ser lidos em inglês, publicou em 18 de março de 2024, na seção “Analytics” (Análise), o artigo “87% de ditadura: constitucionalidade fictícia, cleptofascismo e filas de protesto”, disponível em russo e em inglês, língua da qual, porém, resolvi traduzir. Demorei muito pra ter tempo de publicar, e depois passei no Google Tradutor, tendo cotejado apenas com o “original” em inglês (o qual também acredito ser fiável). Mas o mais importante é trazer ao público que lê português – devo estar sendo o primeiro a fazer isso – o conceito de cleptofascismo, como Rogov chama a ideologia, a seu ver ad hoc (isto é, pra atender a uma exigência pontual), na base da ditadura de Vladimir Putin.

A seu ver, o Kremlin mistura hoje a exaltação patriótica e belicosa com um ódio irracional ao “Ocidente Coletivo” e um sistema todo baseado em corrupção generalizada, compadrio econômico-empresarial e fraude eleitoral. Rogov se detém na questão da “fraude eleitoral”, pois ele afirma que serve como legitimação aparente do regime, demonstrando por vias formais um apoio popular que na verdade não existe. É interessante que o Turcomenistão, antiga república soviética e uma das ditaduras familiares mais fechadas do mundo, aparece como exemplo de país em que resultados próximos de 100% são forjados pra passar a imagem de (quase) unanimidade, igual o Partido Ba’ath na Síria e no Iraque. No Brasil, temos vários exemplos a nos espelhar na própria América Latina, como Venezuela e Nicarágua (com El Salvador se encaminhando) – já que em Cuba o presidente é eleito indiretamente. Mas há vários playgrounds de ditador que ainda não sofreram golpe de Estado na África, como os Camarões de Paul Biya, a Ruanda de Paul Kagame, a Eritreia de Isaias Afwerki e a Guiné Equatorial de Teodoro Obiang.

Isso não está no texto, mas os analistas liberais exilados da Rússia dizem que Ramzan Kadyrov estaria fatalmente doente, mas que não interessaria a Putin criar na Chechênia uma sucessão familiar. Segundo eles, com base no terror aberto, Don-Don já teria cuidado de submeter completamente a antiga república separatista, mas agora todo o país estaria na mesma situação, com o clima de guerra, resultando na “kadyrovização” nacional e, por isso, tornando inútil um excêntrico excepcional em Grozny e bastando outro boneco mais alinhado ao putinismo puro. E foi justamente nas regiões mais atrasadas e autoritárias que Putin sempre obteve os maiores resultados, inclusive na Chechênia, inclusive em 2024.

De resto, não incorporei os mesmos gráficos que aparecem no site original e retirei algumas referências a outros artigos que apareciam no meio do texto, sem por isso causar qualquer dano ao conteúdo.

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O resultado eleitoral “estilo turcomeno” nas “eleições presidenciais” da Rússia visa consolidar a transição do regime de Putin a uma ditadura sob condições de “constitucionalidade fictícia” decorrentes das mudanças inconstitucionais à Constituição realizadas em 2020. A guerra contra a Ucrânia tornou-se uma ferramenta crucial, permitindo ao regime atingir o nível de repressão necessário para suprimir a resistência da oposição, garantir este resultado e formular um novo quadro ideológico ad hoc para o regime, que pode ser definido como “cleptofascismo”: uma mistura de motivações corruptas e militarismo antiocidental agressivo. Como resultado, a operação iniciada em 2020 para prolongar a presidência de Putin levou a uma transformação profunda do próprio regime, que em sua forma atual desviou-se muito das expectativas e percepções do homem comum russo, especialmente da geração de russos entre os 20 e 40 anos de idade. Guerra, repressão e fraude permitiram ao regime alcançar um resultado “turcomeno” nas eleições presidenciais, mas ainda não transformou a Rússia em um Turcomenistão, como evidenciam as filas de protesto durante a campanha. A estrutura social da sociedade russa, formada durante as décadas anteriores, nada tem a ver com a que sustenta autocracias estáveis. E este fato põe em causa o êxito da transformação sociopolítica executada por Vladimir Putin na Rússia.

As eleições cujo resultado proclamado foi de 87% dos votos supostamente dados a Vladimir Putin foram as primeiras ao “estilo turcomeno” abrangendo toda a Rússia. Tal resultado é uma indicação confiável de que o país é uma ditadura.

Como já se escreveu muitas vezes, há dois tipos principais de regimes autoritários. O primeiro apoia-se substancialmente em eleitores transformados em “supermaioria” por meio da manipulação administrativa, captura das mídias, restrição da concorrência e fraudes circunscritas. Nesses regimes, o candidato no poder geralmente recebe 60-70% dos votos. Ao mesmo tempo, a oposição existe parcialmente durante as eleições e, pelo menos, é legal; o regime não recorre à repressão sistemática, à censura total ou a campanhas ideológicas massivas.

Um indicador do segundo tipo de autocracias é quando o candidato do governo nas eleições ganha entre 80% e 99%, revelando que o regime não sente apoio suficiente “de baixo” para suas políticas e, portanto, deve recorrer a formas duras de pressão: repressão sistemática, interdição da oposição, campanhas de doutrinação ideológica dos cidadãos e controle ideológico da esfera pública, bem como a remoção de instrumentos de fiscalização pública das eleições. Enquanto o primeiro tipo de eleições visa exagerar o apoio real da população ao regime, as eleições “estilo turcomeno”, em vez disso, demonstram a falta de oportunidades para a oposição e a sociedade oferecerem qualquer resistência ao regime. É um equilíbrio de poder completamente diferente, ao qual se enquadra perfeitamente a definição de “ditadura”.

Três fatores garantiram o resultado “turcomeno” de Putin em 2024: a destruição da capacidade organizativa da oposição por meio da repressão sistemática e bastante dura, da falta de controle sobre a apuração dos votos e da votação forçada organizada por meio da pressão sobre os eleitores em seu local de trabalho.

“Constitucionalidade fictícia” – No entanto, uma compreensão do significado das primeiras eleições “estilo turcomeno” de Putin ficaria incompleta sem considerar o fato de que essas também foram suas primeiras eleições sob condições de “constitucionalidade fictícia”. Nesse sentido, marcam o ápice do período de transição: a transição do regime russo do autoritarismo relativamente leve do final da década de 2000 e da primeira metade da década de 2010 para uma ditadura consolidada, tentando compensar sua deficiência constitucional com um resultado numérico.

Tendo sido eleito para seu último mandato constitucional em 2018 com um resultado intermediário de 77%, Vladimir Putin começou quase imediatamente a preparar-se para uma operação de extensão de seus poderes presidenciais. Na ciência política, tal operação é geralmente chamada de “continuismo” (em espanhol, “extensão” ou “continuidade”: a prática de ampliar os poderes constitucionais ganhou difusão originalmente na América Latina). De 1990 a 2019, houve no mundo todo 66 tentativas de burlar restrições constitucionais aos mandatos presidenciais, sendo 20 na antiga URSS, 34 em países africanos e 12 na América Latina. Contudo, apenas 39 de todas as tentativas foram bem-sucedidas. A capacidade de um autocrata emendar a constituição “para si mesmo” é um indicador importante do nível de controle alcançado pelo regime sobre o campo político e o processo eleitoral.

Em 2020, Vladimir Putin passou apenas parcialmente nesse teste. A fim de aprovar a alteração para ampliar seus poderes, ele teve de violar o procedimento exigido para mudar a Constituição. A principal emenda que zerava os mandatos de Putin foi afogada em um mar de cerca de 200 alterações que foram, todavia, aprovadas por uma única lei. Para dar maior legitimidade a esse procedimento inconstitucional, também foi necessário conceber uma forma de “voto popular”, que não existia na legislação. Diferente de um referendo sobre uma nova constituição, que ser aprovado por pelo menos 50% de todos os eleitores, esse “voto popular” não implicou nenhuma restrição. Ou seja, o procedimento de adoção das emendas parecia-se em parte com o procedimento de adoção de uma só emenda, em parte com o procedimento de adoção de uma nova constituição, mas não se igualava totalmente com nenhum dos dois.

A violação das exigências constitucionais indicava certa falta de confiança do regime em suas capacidades. Além disso, a votação foi realizada no meio de uma pandemia, a qual serviu de pretexto para as autoridades violarem muitas regras eleitorais, como foi o caso do agendamento de vários dias para as votações. Como resultado, a análise dos resultados oficiais do “voto popular” de 2020 mostrou uma mudança radical nas práticas eleitorais. Enquanto nos 12 anos anteriores a porção de votos anômalos (fraude) identificados por métodos estatísticos oscilou entre 14% e 23% dos votos totais, em 2020 esse número disparou para 37%. Significa que provavelmente a votação de 2020 não contou com os 74,2 milhões de eleitores anunciados, mas com cerca de 53 milhões (menos de 50% de todo o eleitorado) e não mais de 36,5 milhões (33% de todo o eleitorado) votaram a favor das emendas.

Porém, alterar a constituição foi apenas a primeira fase da operação de continuismo. A segunda exigia obter um resultado convincente em eleições com falhas constitucionais. Pesquisas sociológicas na época das emendas constitucionais em 2020 mostraram que as parcelas dos que apoiavam e não apoiavam a ampliação do número de mandatos eram aproximadamente iguais. Igualmente, o percentual dos que gostariam ou não de ver Putin como presidente novamente em 2024 foi aproximadamente igual, conforme as pesquisas. Além disso, entre as camadas mais jovens (18-39 anos), a porção dos que não queriam ver Putin novamente como presidente era superior a 50%, enquanto a dos que queriam era inferior a 40%. Naquela altura, as projeções para as eleições de 2024 pareciam muito incertas.

Vale notar que as primeiras tentativas de matar Alexei Navalny ocorreram quase imediatamente após a aprovação das “emendas”: primeiro, em inícios de julho de 2020, e depois, em fins de agosto. Porém, Navalny não só sobreviveu e investigou seu próprio assassinato, mas também lançou um filme investigativo sobre o palácio de Putin, que foi visto mais de 100 milhões de vezes na primeira semana. A aprovação de Putin alcançou então mínimos históricos, e 20% dos entrevistados afirmaram apoiar Navalny.

Essas circunstâncias e a crise eleitoral repentina em Belarus indicavam que o nível de repressão do regime era totalmente insuficiente para garantir um resultado convincente sob condições de constitucionalidade fictícia. Após a prisão de Navalny em janeiro de 2021, começou uma campanha de perseguição contra as estruturas sistêmicas da oposição e da sociedade civil: a Fundação Anticorrupção foi declarada organização extremista e seus coordenadores regionais foram presos, enquanto pessoas e organizações foram declaradas em massa como agentes estrangeiros e a Organização Memorial foi forçada a fechar. Mas só quando a guerra começou Putin pôde finalmente implementar um vasto leque de medidas de repressão e censura visando avançar para os padrões do “estilo turcomeno”. Os resultados das pesquisas refletem claramente as mudanças na atmosfera pública (quaisquer que fossem os mecanismos que as assegurassem).

A morte de Alexei Navalny na prisão, exatamente um mês antes das eleições presidenciais, fecha simbolicamente esse período de transição. No fundo, foi mais uma demonstração das capacidades do regime, que não temeu dar esse passo às vésperas do pleito. Ao mesmo tempo, como que traçou uma linha entre o período de combate à oposição de Navalny e o estabelecimento da ditadura, que se estendeu de 2018 a 2024 por todo o período de transição de Putin. O assassinato de Prigozhin mostrou que a morte de um “inimigo de o regime”, envolta em alguma incerteza, tem um efeito mais paralisante do que mobilizador sobre seus apoiadores. Estão prontos para o luto, mas não para o protesto e a condenação inequívoca de Putin por sua morte.

O “cleptofascismo” como novo quadro para o regime – Aparentemente, o cenário inicial para as eleições de 2024 baseou-se no êxito imediato da campanha militar na Ucrânia, repetindo as conquistas de 2014. Dentro desse cenário, até 2024, esperava-se que os efeitos da invasão e da nova ocupação já tivessem sido amplamente normalizados e suavizados. Porém, as derrotas na campanha militar e a resistência conjunta da Ucrânia e do Ocidente mudaram a trajetória do novo mandato.

Isso exigiu a mobilização da sociedade e das elites em posições de uma doutrina ideológica que justificasse a guerra, doutrina que emergiu de forma geral no final do segundo ano da guerra e pode ser definida como “cleptofascismo”. Essa doutrina combina ferramentas tradicionais para consolidar a elite por meio de uma plataforma de mercantilismo cleptocrático e a exigência de lealdade compulsória a uma ideologia militarista-nacionalista e antiocidental, declarada como a estrutura de valores do Estado-nação ou civilização-Estado russo.

Em seu discurso pré-eleitoral à Assembleia Federal, Putin descreveu bem claramente o juramento de lealdade à guerra em curso na Ucrânia e à ideologia do “cleptofascismo”, obrigatório para quem quisesse ocupar ou manter posições relevantes no novo regime. A corrente redistribuição de propriedade na Rússia visa reformatar a elite russa, que nas últimas décadas manteve uma identidade dual (um pé na Rússia, o outro no Ocidente). O núcleo dessa elite deve ser consolidado por sua cumplicidade (mesmo que apenas simbólica) em crimes de guerra, e os bens obtidos em decorrência dessa cumplicidade podem ser retirados de proprietários não leais o bastante ao “cleptofascismo”. Tais bases para a consolidação da elite, conforme o plano de seu arquiteto, deveriam preservar o rumo antiocidental do país durante décadas e permitir-lhe sobreviver ao próprio Putin.

Até agora, esse plano parece bastante convincente, mas exigirá esforços consideráveis, provavelmente provocando conflitos internos. Uma das raízes de tais conflitos será a contradição entre a vasta cooptação de novos proprietários pela elite e o sistema estabelecido de monopólios familiares [chaebols, palavra coreana usada por Rogov] no círculo íntimo de Putin, onde estão concentrados os principais ativos de renda. Contudo, fatores sociais sistêmicos parecem ser muito mais importantes. Apesar de todos os seus problemas, do ponto de vista social, a Rússia não é de forma alguma o Turcomenistão: o nível de capital social e humano, a cultura cívica e a estrutura social das metrópoles, o grau de infiltração da influência europeia e ocidental, tudo isso se choca com a ideologia da ditadura de Putin, que está se formando ad hoc e parece arcaica e exótica mesmo tendo como pano de fundo o nacionalismo pragmático dos maiores Estados do chamado Sul Global.

Autocracias fechadas e estáveis como a turcomena apoiam-se ou em uma estrutura social clânico-paternalista, ou em uma profunda religiosidade islâmica ou em ambos os fatores juntos. Sem tal fundamento, a ditadura putinista é obrigada a recorrer à coerção, à exaltação, à guerra e a uma ideologia ad hoc enraizada apenas em uma determinada parte da sociedade, provocando conflito social permanente.

Filas de protesto – Essas contradições se manifestarão de uma forma ou de outra no médio prazo. Não é tanto uma questão do conflito do regime com a oposição liberal quanto de seu conflito com o desejo das pessoas comuns pela normalidade burguesa. Porém, a escala temporal específica desse conflito dependerá amplamente da rapidez com que o novo regime revelar sua insolvência econômica.

A geração hoje com idade entre 20 e 40 anos será a principal fonte de resistência à transformação do regime no espírito do “cleptofascismo” de Putin. Com atitudes de vida moldadas pelos anos prósperos e com algum “protesto” da década de 2010, nas condições do novo regime encontra-se parcialmente privada de futuro, cujas expectativas formaram essas atitudes. Mesmo tendo como pano de fundo a crescente repressão do regime na década de 2010, ela se habituou a um nível muito mais elevado de tolerância ideológica e liberdade social. Junto dos velhos negócios russos com sua identidade dual, ela constitui outro vasto grupo de cidadãos que o “cleptofascismo” enxerga como hostil.

Isso determina, em particular, a rejeição à guerra generalizada entre essa geração, que serve como principal instrumento para perturbar as expectativas. Foi esse grupo que constituiu a maior parte dos contingentes das filas de protesto que acabaram se tornando uma parte significativa da “campanha presidencial” de 2024. As filas pela indicação de Nadezhdin foram substituídas pelas filas para o túmulo de Navalny. Esta última, depois, foi substituída pelas filas do “meio-dia contra Putin”.

A antropóloga social Alexandra Arkhipova tem toda a razão quando define esse protesto como uma “arma dos fracos”. Todavia, a resiliência que ele demonstra indica o potencial para uma verdadeira polarização social, e que a “geração Navalny” continuará sendo um fator social importante, moldando o ambiente dos que esperam pela hora da vingança política. Simbolicamente, as filas de protesto indicaram bem claramente que embora tenham ocorrido na Rússia as primeiras eleições “estilo turcomeno”, a guerra e as eleições ainda não transformaram o país em um Turcomenistão.



terça-feira, 30 de abril de 2024

Hino nacional no fim do J... Nacional?


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Com a saudação do Bolsonaro trans do portal G1, apresento esta passagem da edição de 25 de abril de 2024 do telejornal das 19h30min da RTS, a estatal informativa da Suíça francófona, apresentada pelo famoso jornalista Philippe Revaz. Sexta-feira, começo de noite, ele já devia estar sonhando com a baladinha do finde, quando entrou ao vivo o repórter Jean-Marc Rossier, noticiando o iminente início da partida de hóquei entre as equipes do Zurich e do Lausanne, a ocorrer na cidade de Zurique. Como informaria mais tarde um artigo escrito da mesma emissora, o Zurich meteria um 3 a 0 no Lausanne na fase final das eliminatórias da Liga Nacional.

Enquanto Rossier falava, o Hino Nacional da Suíça era entoado no ginásio, e a canção parece ser do gosto de Revaz, que dizia que o ambiente estava “muito patriótico” e que ele depois podia continuar no local “cantando o hino com a mão no peito” (e não exatamente “ouvindo”, como legendei). A vontade de ir pro bar devia ser tamanha que o âncora até soltou no fim do jornal que “toda edição devia terminar com o hino nacional”, ideia que ele submeteria a Rossier. Achei a tirada tão engraçada que fiquei imaginando: como seria se isso fosse aplicado ao Jornal Nacional, noticiário noturno mais visto no Brasil?...

Nesse caso até está certo, porque se o jornal é “nacional”, em algum momento tinha que ter o hino “nacional”, rs. Cortei a maior parte da entrada de Rossier, cujo conteúdo era inútil, e deixei apenas o básico pra se entender o contexto, e depois traduzi o encerramento da reportagem e a despedida do jornal, feitos por Revaz. Também não traduzi as últimas palavras que informavam as próximas atrações, mas não tirei pro corte não ficar muito brusco. Quanto ao hino bananeiro aplicado à TV Globo, emendei os instrumentais inicial e final e deixei apenas o que cabia naquele lapso de tempo, tentando não comprometer a fruição musical. Não sei se você vai gostar, mas veja como ficou:



segunda-feira, 29 de abril de 2024

Protestos em Tbilisi contra “lei russa”


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No domingo de ontem, 28 de abril, centenas de manifestantes, sobretudo jovens, se reuniram na frente do prédio do parlamento pra protestar contra a aprovação, por iniciativa do governo, de uma lei que impõe um registro especial e, portanto, regras mais rígidas e várias restrições a pessoas e instituições que recebam mais de 20% de financiamento vindo do exterior. Apoiada pelo partido Sonho Georgiano, que constitui a maioria legislativa e se posiciona em quase tudo a favor da Rússia (ou melhor, de Putin), é bem vista por alguns analistas, que apontam a facilidade com que interesses externos influenciam o rumo de várias democracias. Porém, a oposição, em grande parte alinhada com o ex-presidente Mikheil Saakashvili, a considera um instrumento de cerceamento das dissidências e uma cópia da lei russa sobre os “agentes estrangeiros”, na verdade um rótulo usado a torto e a direito pelo Kremlin pra punir desafetos que não se alinham completamente com sua ideologia e ousam lhe fazer a mínima crítica.

A Geórgia é uma república parlamentarista, portanto, o primeiro-ministro tem mais poder do que o presidente, atualmente Salome Zurabishvili, ardente adepta do alinhamento e da adesão à União Europeia e do afastamento da órbita moscovita. Apesar do longo histórico de conflitos que muitas vezes chegaram ao enfrentamento bélico entre os dois países, o partido Sonho Georgiano se recusou a impor sanções à Rússia após o começo da invasão em larga escala à Ucrânia, enquanto a maioria da população não só rejeita a influência russa, mas também prefere a integração europeia (ver as muitas bandeiras da UE circulando) e apoia Kyiv. De fato, muitos georgianos já se voluntariariam pra combater ao lado dos ucranianos, e a situação territorial é muito semelhante à da Ucrânia: 20% do país estão ocupados por separatistas que, na verdade, são controlados de Moscou, mesmo que etnicamente a Abecásia (Abkhazia) e a Ossétia do Sul não sejam georgianas. Mesmo assim, a Rússia integra o punhado de nações que reconhecem sua independência, além de ter invadido a Geórgia em 2008, chegado às portas de Tbilisi e expulsado a população georgiana dessas regiões.

Portanto, vemos que os motivos de ressentimento são enormes. Antes e depois da aprovação daquela que chamam de “lei russa”, manifestantes se reúnem todo fim de semana nas ruas de Tbilisi pra mostrar também sua inclinação pela Europa e sua rejeição a Putin. Como vemos nestas imagens que “printei” ontem do canal de oposição Droeba, alguns chegaram ao ponto de pichar frases antigoverno no meio da pista, como foi o caso desta peculiar romanização do slogan ucraniano “Путін хуйло!” (Pútin khuiló), que pode ser traduzido como “Putin é um car...!” ou “Putin, vá se f...!”. Dado que, dependendo da língua, a letra xis (cuja forma é a mesma do “khá” russo, um som escarrado) pode ter pronúncias diferentes, um brasileiro comum que lesse isso diria “shúilo” ou no máximo “shuílo”, rs.





A repórter russa de origem georgiana, Ekaterina Kotrikadze, que apresenta um programa semanal de geopolítica no canal exilado TV Rain (Dozhd), também estava lá!


Como se pode ler pelas frases que fiz notar serem as mesmas, o lema dessas manifestações tem sido “არა რუსულ კანონს!” (Ara rusul k’anons!), “Não à lei russa!”, às vezes acrescido de “კი ევროპას!”(K’i Evrop’as!), “Sim à Europa!”, lembrando que o alfabeto georgiano não diferencia maiúsculas e minúsculas. E se você também percebeu alguma semelhança, acertou: a palavra “კანონი” (k’anoni) significa “lei” e tem a mesma origem de “cânone”, em português só usado hoje no sentido de “regra” ou “preceito” religioso, além de outras áreas restritas:


domingo, 28 de abril de 2024

MELANCIA AOS FAMINTOS DE GAZA


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Adendo (30/4): Não resisti em apurar o possível significado das melancias nos protestos, já que de fato eram onipresentes. Tanto a Wikipédia em inglês quanto a agência NPR afirmam que não há consenso sobre a origem, que é bem anterior à guerra de 2023. Mas entre as hipóteses, há uma antiga proibição de exibir bandeiras palestinas, a semelhança entre as cores da fruta e do símbolo (relatos não comprovados falam de crianças presas por carregarem melancias), o amplo cultivo e sua associação com o florescimento na região e, a partir daí, seu uso pra burlar as redes sociais, acusadas de censura a conteúdos pró-Palestina. Mesmo assim, em outros aspectos, a publicação ainda mantém sua “graça”.

Se formos julgar pela edição de 25 de abril do programa The World with Yalda Hakim no canal privado britânico Sky News, as manifestações em universidades privadas (ou seja, papai pagando...) que estão se espalhando pelos EUA em prol do povo palestino e contra os excessos do exército de Israel estão virando uma grande palhaçada. Nessa idade, jovem de 20 e poucos anos só quer se divertir, extravasar, socializar, e provavelmente eles devem estar canalizando a libido retida em anos de covid. Sei que minha mente é meio poluída, mas como já disse aqui uma vez, pra mim o mundo é uma grande fábrica de memes que só estão esperando pra ser extraídos...

Não sou contra causas progressistas, como as que também sacudiram as universidades americanas em décadas passadas. Acho sinceramente que os palestinos pobres não merecem sofrer nas mãos de conchavos políticos entre terroristas palestinos (já que a real autoridade palestina, o Fatah, asfixiado por Netanyahu, tinha renunciado ao terrorismo) e certos governos de Israel: nem o Hamas está preocupado com os famintos de Gaza, nem a coalizão judaica de extrema-direita está ligando pros reféns que ainda possam estar vivos. Mas por que barulheira semelhante não aconteceu quando a Rússia invadiu a Ucrânia, de forma brutal, sem justificativa e infringindo as poucas leis que regem as guerras modernas? Será que o modo como a guerra no Levante é apresentada de forma não inocente, sobretudo, no TikTok, no qual as forças de desinformação sino-russas predominam, não vicia sua percepção por esses “nativos digitais” e do quanto eles poderiam realmente influir pro fim dessas hostilidades?

Não sei de nada. Nasci em 1988 e não consigo entrar na cabeça de um jovem que nasceu de 2000 pra frente. Não estou condenando as “gerações posteriores” por serem mais “burras” ou “enganadas”. Mas tem coisas nas reportagens que não consigo deixar de ver como memes e transformar em piadas... A começar por alguém que teve a ideia de desenhar fatias de melancia (bem estilizadas, diga-se de passagem) num cartaz escrito “Free Palestine”. A não ser que eu ignore a existência de um código secreto ou de alguma gíria dos jovens, isso me lembra muito mais o estilo de decoração, sobretudo em designers de origem japonesa, que conheci na minha infância, com o uso de desenhos ou adesivos de frutas nos materiais escolares:




Podemos dar um espaço pra Joãozinho Lima, que neste vídeo interpretou uma canção gravada por vários artistas sertanejos (incluindo Eliane Camargo), agora passível de ser adotada como novo hino da “resistência” (de chuveiro) no lugar de Mawtini: “Você não é melancia, mas cê-mente pra danar...”


Ah, se as ianquetes soubessem o que é “ralar o tchan”! Parece que temos aqui uma forte candidata pega desprevenida em sua excitação espontânea:


Típica birra pueril e trilha sonora correspondente:


Militantes brancos: “Vidas negras importam!”

Negro:


sexta-feira, 26 de abril de 2024

Falsos cognatos espanhol-português


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O livro Español instrumental foi escrito por Teresa Vargas Sierra, professora do idioma, brasileira de origem colombiana, e já está há alguns anos no mercado. Pessoalmente o achei bem rico, sobretudo na parte dos textos, diálogos e vocabulário, mas tem vários erros de digitação e achei a gramática pouco sistemática, por isso vou estudar com outros métodos que tenho em casa e vou tentar passá-lo pra frente, seja com venda, doação etc.

Contudo, sua tabela de falsos cognatos é tão rica que decidi copiá-la e publicar aqui, mesmo que vários genéricos mais completos existam na internet! Além disso, fiquei com preguiça de meter o livro em meu escâner, portanto, tirei foto com meu celular mesmo, e boa parte ficou zoada assim. Espero que o aspecto meio torto e a visão um pouco borrada não prejudiquem a leitura.

Não vou explicar o que em gramática são “falsos cognatos” ou “falsos amigos” em idiomas com algum grau de parentesco. Caso seja útil, aproveite e passe esta publicação pra frente, e sinta-se à vontade pra baixar as próprias fotos e fazer sua própria publicação em redes sociais ou aplicativos de mensagens. Só peço que, em todo o caso, cite o livro de Vargas Sierra como fonte primeira. Bons estudos!

P. S. As publicações podem começar a ficar irregulares porque estou me dedicando a outros projetos e, na medida do possível, começando uma grande reforma na estrutura da página. Mas não se preocupe, estou sempre por aqui, volta e meia vou soltando algo que achei interessante, útil e/ou engraçado, e você pode continuar lendo e divulgando o que já existe aqui, e mesmo me contatar pra dar sugestões!









Adendo posterior, com a seção correspondente, mas mais curta, do manual Espanhol urgente para brasileiros, de Sandra Di Lullo Arias (também com preguiça de usar o escâner):